quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Chegadas que são partidas

À chegada dele ao aeroporto aguardavam-no milhares de pessoas. Ao vê-lo descer as escadas, as pessoas batem palmas, acotovelam-se e gritam o seu nome. Já no átrio, os polícias agitam-se para o manterem em segurança, ele caminha dentro do cordão de segurança, no meio de braços esticados que o querem tocar... e, acto contínuo, arrasta-se ou é arrastado pela polícia para a rua e é metido numa carrinha que arranca imediatamente.
 
Nenhuma pausa neste pequeno percurso entre o início das escadas e a saída do aeroporto, nenhuma elementar saudação (diziam alguns à boca pequena).
 
De súbito, aquela gente no aeroporto sente frio como se, sem se darem conta, a temperatura do ar tivesse repentinamente descido para níveis nunca antes registados na cidade; e fome, que pouca gente ali havia sentido, daquela que se experimenta depois de vários dias de abstinência. Foi nessa altura que tudo começou, as pessoas invadem salas do aeroporto com sinais "proibida a entrada a pessoas estranhas" e lojas, procurando e açambarcando agasalhos e comida. Ninguém que ali estivesse tinha visto abrir-se uma carteira que fosse. 
 
Ainda a caminho de casa ele diz aos pais, que iam nos bancos da frente, que sentia um calor insuportável, de tal maneira que sua, como se usa dizer, em bica, e experimenta uma sensação nunca antes sentida de enfartamento, como se tivesse comido vários bois.

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Ainda o Comboio

Num café na estação de Campanhã “E a M.? Está ótima. Nunca mais me ligou! Diz-lhe que mando um beijinho de chateada. Diz-lhe mesmo: a C. manda te um beijinho de chateada”

Ali fora um rapaz espera na plataforma por outro rapaz, que entretanto chega. Beijam-se nada chateados.

Na estação de Rio Tinto ouve-se a voz que informa “Porto Campanhã”. O velho que vai à minha frente meneia a cabeça, e como a rapariga ao lado sorri, atira “é mesmo para enganar”. A rapariga diz que os automatismos também devem ter os seus dias. Saíram ambos em “Contumil” (de acordo com a mesma voz, que engana).

terça-feira, 4 de setembro de 2018

(Des)Sincronias

Hoje a viagem de comboio foi estranha e pelo menos duas pessoas não saíram onde queriam . É que a voz que informa as estações fá-lo com um atraso de 2 ou 3 estações (também estou baralhado). Como as pessoas vão na sua vida e pensamentos, nem sempre se lembram que a voz está atrasada, ficam baralhadas. Agora mesmo um casal terá de sair em Esmeriz quando o que queria mesmo era sair na Trofa.
 
Amanhã os patrões e fregueses e médicos e todos quantos esperam esta gente “faltosa”, hão de pasmar quando ouvirem a razão. “Pois sabe que o comboio quando anunciou Barrimau já ia em Mouquim. Saí para apanhar o comboio de volta, entrei, depois de esperar uma hora. O raça da voz deste outro ia certa, mas dei um desconto, de tanto matutar na dessincronia, e quando dei por mim estava em Ermesinde. Desisti”

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

As pessoas que viviam naquela espécie de cidade-estado e as dos estados vizinhos dirigiam-se em várias direcções, como sempre aconteceu e acontece ali e em toda a parte. Umas dirigiam-se para a estação de metro mais próxima, outras seguiam caminhando, havia as que entravam em auto estradas, outras que delas saíam, outras ainda seguiam percorrendo estradas regionais... Quem tinha filh@s nas escolas para lá se dirigia. Tudo isto se passava num final de tarde. No entanto, era visível, se se olhasse de cima, que os movimentos da generalidade das pessoas acabavam tendendo para um ponto.

Como os muçulmanos na hora da oração se colocam, onde quer que estejam, voltados para Meca, também ali as pessoas, não só se voltavam para aquele ponto, como se dirigiam para lá como podiam, a pé, de carro, de metro... Os que tinham filhos à sua espera ali e acolá, para lá se dirigiam mas depois de os terem consigo, notava-se, convergiam para esse ponto (mudam-se as vontades).

Portanto aquilo que naquele fim de tarde parecia ser humana movimentação que se desloca cada qual para seu lado, a dada altura era humaníssima massa que convergia na direção daquele ponto que era o centro da capital: Washington DC.

Como as notícias correm depressa, e as más mais ainda, o presidente mandou chamar representantes de todas as forças militares e policiais disponíveis. O plano de segurança foi traçado e as forças distribuídas sobretudo em torno da Casa Branca. Em pouco tempo os parques norte e sul da dita casa estavam cheios de gente, em poucas horas todo o distrito estava repleto de gente pacífica movida por uma vontade comum.

Não se registaram incidentes à excepção do que ocorreu naquelas primeiras horas com uma rapariga que tropeçou num passeio: nos movimentos atabalhoados que fez para equilibrar-se de novo, o polícia, meio ausente até aí, suspeitou que se tratava de uma provocação e assentou-lhe uma bastonada. Sobre queda, coice. Não se ouvem palavras de ordem, seriam redundantes. Suspira o coração de uma bendita velha. O espírito voa.

Transmissões

À chegada dele ao aeroporto aguardavam-no milhares de pessoas. ao vê-lo descer as escadas as pessoas batem palmas, acotovelam-se e gritam o ...